Li, há
alguns anos, um interessante livro de Nassim Taleb chamado “A lógica do Cisne
Negro”. O livro trata dos fatos novos e improváveis como o 11 de Setembro. Até
a descoberta da Austrália, acreditava-se que somente existiam aves brancas até
que os cisnes negros fossem ali descobertos. Lembro-me desse livro vendo o
desenrolar das manifestações que se espalham por todo o país como um fenômeno
social de tal porte e difícil de ser avaliado. É certo que levará algum tempo
para ser compreendido, mas alguns recados já começam a ser identificados.
O recado
mais evidente é a insatisfação com o aumento do transporte urbano, a corrupção,
a qualidade dos serviços públicos e os gastos com as Copas de futebol. Mas o
recado síntese é o profundo descontentamento com a política, com os políticos e
com algumas instituições democráticas. Vou me arriscar a tecer alguns
comentários ainda no calor dos acontecimentos.
Percebi nas
ruas, desde as eleições municipais do ano passado, que há um sentimento de
mudança em vez do sentimento de continuidade que antes prevalecia. Até a
eclosão das manifestações eu acreditava que esse sentimento latente de mudança
iria se refletir nas eleições de 2014, com a troca de governos, mesmo os bem
avaliados. A população está cada vez mais exigente e é bom que seja assim.
Mas a
extensão e a intensidade das manifestações me fazem ver que esse sentimento de
mudança é mais profundo. Quer se mudar a política e os políticos. A partir das
minhas observações, adquiridas no exercício de 17 anos de mandato, vejo algumas
dessas mudanças exigidas.
Ganha-se as
eleições propondo algumas coisas e, na cara de pau, governa-se fazendo outras.
Essa prática desmoraliza o processo eleitoral e desacredita o processo
democrático. A falta de respeito com o eleitor é flagrante.
A
honestidade pessoal e intelectual, vital para a política, está cada vez mais
rara. Preocupa-se mais em parecer do que em ser. Há uma ética da boca para fora
e uma ética comportamental de que a “política não se faz com romantismo”.
Vários colegas que não pensam assim estão deixando a política.
A falta de
espírito público tem aumentado. Escolher bem as prioridades, fazer o recurso
público render mais, valorizar o cidadão afirmativo, procurar dar o exemplo não
têm a prioridade que deveriam ter.
Há, também,
uma questão de forma. O atual sistema político eleitoral está se esgotando. E
já não se pode somente remendá-lo. A representação política não pode ser como é
hoje, em que o candidato vai buscar voto em todo o universo eleitoral.
É
preciso adotar o voto distrital, pois assim, se algum parlamentar trair seus
representados, o distrito cassa o seu mandato e não compromete toda a
representação. E o que está em xeque hoje é todo o sistema de representação.
Onde está o chefe
de Estado para conduzir essa crise em que vivemos? Não estou me referindo a
nenhuma pessoa. Estou dizendo que é preciso ter uma figura de chefe de Estado
não contaminado pelo dia a dia da política. Já há vozes no Congresso Nacional
de que a saída da crise é promover uma constituinte exclusiva para debater
esses problemas, pois o Parlamento normalmente eleito não consegue enfrentar
essas questões. Serão as manifestações a alavanca necessária para isso? É o que
veremos com o desdobrar dos eventos.
Gostaria de
terminar dizendo que a forma pode ajudar muito a resgatar a crença na nossa
democracia representativa. Mas, qualquer que seja a forma, os indivíduos que
personificam essa e qualquer outra forma deveriam ter alguns princípios e
valores: seja honesto pessoal e intelectualmente; não roube e nem deixe roubar;
seja parcimonioso tanto na campanha como no exercício do mandato. Eleição é um
contrato que o eleitor acredita e vota, mas quer receber o que foi prometido.
Pelo
entusiasmo patriótico das manifestações há esperança de um Brasil melhor.