Imagine uma cidade onde ainda não há estabelecimentos
comerciais e de serviços, mas sim feiras de produtos onde qualquer
comerciante/produtor possa transacionar com o consumidor. Boa parte desses
produtores e comerciantes negociará com honestidade com o consumidor, pois
desejará que este se torne um freguês. Porém, haverá também os desonestos que
ludibriarão o consumidor. Sua intenção não é cativar o freguês, mas sim, ir de
cidade em cidade comerciar de forma anônima e obter o seu lucro. Pode-se
inferir que assim foi o início das relações comerciais entre as pessoas. Para
conquistar a confiança em seus produtos e serviços, a solução que os honestos
criaram foi fixar estabelecimento, dessa forma, seriam sempre encontrados pelos
consumidores, em determinado endereço, sempre que necessário. Estar
estabelecido era uma garantia para o consumidor.
Da mesma forma pode-se projetar o conceito para o
candidato a um mandato eletivo representativo. Hoje, a maioria dos eleitos se
recandidata e procura novas bases para angariar novos votos. Por desagradar boa
parte da base eleitoral original, não tem votos suficientes para a
reeleição. Então, é preciso ESTABELECER
o candidato de modo a assegurar ao eleitor (da base onde ele está) que, em caso
de não corresponder às expectativas, ele não obtenha novamente a confiança do
voto. A candidatura deve, dessa maneira, ser em uma base estabelecida. Esse é o
voto distrital.
Uma das premissas do mandato representativo (deputados
federais, estaduais e vereadores) consiste no objetivo do seu trabalho, que é a
tomada de posição e a iniciativa de realizações visando defender aquilo que
seja do extremo interesse dos seus eleitores, individualmente ou em grupo.
Nesse aspecto, em favor do voto distrital no Brasil há
outro argumento: o contexto histórico da evolução demográfica. Quando um país
está em processo de ocupação do seu território, por exemplo, expandindo suas
fronteiras agrícolas, são necessários investimentos para essa expansão:
ferrovias, rodovias, novas instalações públicas etc. Obviamente, essas novas
fronteiras têm pouco poder político, pois ainda há poucos eleitores. Assim,
para garantir tal movimento diastólico da sociedade é necessário que haja um
Parlamento que tenha visão estratégica de futuro. E promova a alocação de
recursos para investimentos, não necessariamente em suas próprias bases
eleitorais. Nesse sentido, essa base deve se estender o máximo possível tal
como é até hoje: o parlamentar é representante do estado todo.
Atualmente, no entanto, a sociedade encontra-se no fim de
um forte movimento sistólico, que é a urbanização do Brasil. Há, hoje, uma
população urbana de mais de 85% do total de brasileiros. Assim, o volume dos
problemas está nas condições de vida das cidades. As demandas de soluções são
todas inerentes à grande concentração demográfica urbana: hospitais, segurança
pública, transporte e mobilidade, emprego, escolas, dentre outros. O movimento migratório para as cidades e a
concentração populacional nelas tornam necessária uma nova forma de
representação, de modo que o parlamentar efetivamente “represente” melhor e com
mais eficácia as grandes regiões urbanas. Ou seja, ao invés de uma representação difusa
em todo o estado, tem-se uma representação concentrada tal como está
concentrada a população – e o eleitorado.
Mediante esse quadro, o voto distrital é o mais apropriado para o novo
momento demográfico brasileiro.
Qualquer reforma político-eleitoral deve ter como foco
uma maior aproximação entre o representante e o representado para o bem da
democracia e da política. O voto distrital é o sistema que mais promove essa
aproximação. Além disso, ele proporciona que as campanhas eleitorais sejam
menos dispendiosas e facilita o processo de impedimento de um representante
quando este corrompe o seu mandato.
As manifestações populares de junho mostram o profundo
descontentamento da população com a política o que requer mudanças estruturais
no nosso sistema político-eleitoral. A adoção do voto distrital é um passo
importante na direção das mudanças necessárias.